A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e o Privacy by Design e Privacy by Default

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) é uma norma que traz disposições sobre a legalidade e a segurança no tratamento dos dados pessoais, resguardando a privacidade dos titulares dos dados pessoais, ou seja, é uma lei que traz um conjunto de obrigações a serem ativamente observadas pelos agentes de tratamento para a garantia de segurança durante todo o ciclo de vida do dado pessoal.

No momento da construção da LGPD, os legisladores adotaram como diretriz a General Data Protection Regulation (GDPR) em termos principiológicos e formais, adaptando alguns procedimentos à realidade legislativa brasileira. Porém, um dos pontos mais relevantes incorporado à LGPD foi a disposição da privacidade desde a concepção e por padrão, previstos nos Considerandos nº 78 e 108, bem como no artigo 25 da GDPR. Tal conceito é referenciado no artigo 46 da LGPD, a saber:

Art. 46. Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

(…)

  • 2º As medidas de que trata o caput deste artigo deverão ser observadas desde a fase de concepção do produto ou do serviço até a sua execução.

O Privacy by Design é uma metodologia que traduz que os ensinamentos de privacidade e proteção de dados deverão ser aplicados em algo (processo, produto, serviço, etc.) desde sua concepção, ou seja, é um método que considera a privacidade em toda a cadeia de produção do produto ou serviço. A privacidade deverá ser tratada em todo o desenho estrutural do bem, a privacidade de ponta a ponta, sendo necessário contemplar a proteção dos dados por todo o seu ciclo de vida, desde a coleta até um eventual descarte, passando pelo tratamento e armazenamento. A proteção aos dados e a garantia de privacidade deverão ser consideradas como pilares fundamentais para a existência de um produto ou serviço, em paralelo com as demais funcionalidades destes.

Tal conceito teve sua origem atrelada ao trabalho de Ann Cavoukian, Ph.D junto a Information & Privacy Commissioner – Ontario, Canada, que dispõe sobre os sete princípios fundamentais para a implementação da Privacy by Design junto à instituições.

Ela aborda também que a privacidade deverá ser incorporada como parte integrante da organização, prioridades, objetivos do projeto, protocolos e processos internos, estabelecendo-se como padrão, com a finalidade de se estabelecer uma estrutura universal para a proteção mais forte da privacidade, surgindo-se então o Privacy by default.

Para o melhor ensinamento sobre o tema, explicamos cada fundamento disposto no documento referenciado:

Seja proativo e não reativo. Prevenção não é remediação.

A ideia traduzida neste fundamento é próxima às normas de Segurança da Informação, qual seja, a criação medidas preventivas para suportar qualquer tipo de incidente, humano ou não. Não é interessante que o desenvolvedor espere algum incidente de segurança ocorrer, comprometendo dados e privacidade de seus usuários e a reputação de sua empresa.

É necessária a criação de um processo de gestão de riscos para prevenir eventuais ocorrências, e quando estas ocorrerem, que tenham respostas responsivas.

Em outras palavras, é interessante que seja delimitado junto à instituição um gerenciamento de riscos no sentido de prever um processo de planejar, organizar, liderar, controlar as atividades de uma instituição, com a finalidade de minimizar os efeitos dos riscos aos ativos da organização.

Sucintamente, deve ser seguido um fluxo que envolva os seguintes passos, adaptando ao seu caso concreto:

                                                        Estabelecer contexto  

                                              ↗                                                        ↘

                                 Monitorar os Riscos                          Identificar Riscos

                                            ↑                                                               ↓

                                    Tratar os Riscos                               Analisar os Riscos

                                                 ↖                                                       ↙

                                                                  Avaliar um Risco

 

Privacidade como configuração padrão

Ter como padrão de algo, a privacidade remete ao enraizamento da preocupação e da garantia de proteção aos dados a serem coletados para fins de tratamento.

Este fundamento é interligado com quatro vertentes, sendo elas as seguintes:

  • especificação da finalidade, trazendo aqui a correlação à LGPD ao cumprimento do principio da finalidade, ou seja, os dados coletados deverão ter finalidade definida para justificar a sua coleta e tratamento posterior. É dizer também que a divulgação da finalidade é necessária para que o titular dos dados pessoais tenha conhecimento sobre o propósito para o qual seu dado está sendo utilizado e/ou compartilhado posteriormente. Os objetivos especificados devem ser claros, limitados e relevantes para as circunstâncias;
  • Limitação de coleção, equiparando-se ao conceito do princípio da necessidade, traduzindo que a coleta de dados pessoais deve ser justa, legal e limitada para os fins especificados;
  • Minimização de dados, correlacionando-se com o princípio da adequação da LGPD, traduzindo-se que sempre que possível, deve ser observada a coleta mínima dos dados pessoais para fins de identificação na cadeia de tratamento da operação. Em outras palavras, é dizer que a coleta de dados pessoais deverá se mantida em um nível estrito mínimo; e
  • Limitação de uso, retenção e divulgação, demonstrado que as informações pessoais devem ser retidas apenas durante o tempo necessário para cumprir os propósitos declarados e então destruídos com segurança. 

Privacidade incorporada ao design

No trabalho desenvolvido por Ann Cavoukian, esta compara a privacidade com o design-thinking e ressalta que a privacidade deverá seguir suas diretrizes, ou seja, “uma maneira de ver o mundo e superar as restrições que outrora holístico, interdisciplinar, integrador, inovador e inspirador. A privacidade também deve ser abordada a partir da mesma perspectiva de design-thinking[1].

É dizer que a privacidade deve ser incorporada às tecnologias, operações e arquiteturas de informação de maneira abrangente e que se incorpore ao projeto como um todo. Outro ponto a ser destacado é a utilização da criatividade para promover a inclusão de seu público à privacidade e à proteção de dados, como muito observado nas politicas de privacidade intuitivas elaboradas por algumas empresas de forma a maximizar o entendimento de suas disposições.

Funcionalidade completa: soma positiva em vez de soma zero

É a essência trazida pela própria Lei Geral de Proteção de Dados, que, de forma singela, demonstra que privacidade e segurança não estão contrapostos, mas sendo somadas para o melhor atendimento das expectativas dos titulares dos dados pessoais. É dizer que o usuário não perderá as aplicações existentes em determinados serviços por questão da segurança, mas que poderá aproveitá-la com mais segurança e se o titular permitir com seu consentimento ou interesse.

Transparência e visibilidade: mantenha-o exposto

Com relação a este ponto, deverá ter-se em mente os princípios constantes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais de Transparência, Livre acesso e da Responsabilização e prestação de contas. O livre acesso e transparência são essenciais para demonstrar responsabilidade e gerar confiança para com o usuário, reforçando, em paralelo o fundamento nº 4 explicado anteriormente.

[1] (…) a way of viewing the world and overcoming constraints that is at once holistic, interdisciplinary, integrative, innovative, and inspiring. Privacy, too, must be approached from the same design-thinking perspective. Pag. 2. Disponível em: https://iapp.org/media/pdf/resource_center/pbd_implement_7found_principles.pdf

Segurança final e proteção total da vida útil

A segurança da informação é uma grande aliada para construção do Privacy by design afinal é necessário garantir confidencialidade, integridade e disponibilidade dos dados pessoais para o cumprimento das atividades propostas pelos agentes de tratamento e para atender às expectativas do titular dos dados pessoais.

A segurança da informação deverá ser garantida em todo o ciclo de vida dos dados pessoais dentro da cadeia de tratamento, utilizando tecnologias como as de destruição segura, criptografia apropriada, forte controle de acesso e métodos de registro.

Ainda deve-se reforçar que os agentes de tratamento dos dados pessoais deverão assumir a responsabilidade pela segurança das informações pessoais (principalmente, pelo seu grau de sensibilidade), de acordo com os padrões que foram desenvolvidos por órgãos de desenvolvimento de frameworks reconhecidos como, por exemplo, a família ISO/IEC 27000.

Respeite a privacidade e mantenha-a centrada no usuário

Respeitar a privacidade quer dizer respeitar a vontade da pessoa em ficar só. Em outras palavras, o usuário deve decidir, sempre que possível, se quer ou não que seus dados sejam compartilhados e, em todas as ocasiões, ter conhecimento do que é feito com suas informações, ou seja, a famosa autodeterminação informativa. O presente fundamento pode ser entendido como uma conclusão de todos os demais fundamentos, pois é necessário respeitar o usuário e sempre deixar claras as medidas de segurança existentes, a consequência da negativa de consentimento (quando aplicável), a forma que os dados serão tratados, armazenados e excluídos, bem como a base legal aplicada e a definição de um lapso temporal de armazenamento.

Conclusão

Notadamente, é perceptível que as diretrizes dispostas no documento da Ann Cavoukian, Ph.D junto a Information & Privacy Commissioner – Ontario, Canada refletem e muito, nas atuais previsões da LGPD, o que reforça a necessidade da aderência dos agentes de tratamento de dados ao compliance da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Interessante demonstrar também que o ato de os agentes de tratamento procederem com sua adequação voltada para a privacidade desde a concepção e por padrão diminui o ônus de eventual readequação posterior de procedimentos internos, economizando tempo e dinheiro da empresa, otimizando um trabalho de adequação à LGPD.

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